Como é habitual, hoje, domingo, saímos para tomar o pequeno-almoço fora, em família. Tudo correu bem e calmamente até que, no regresso a casa, a pé, passámos por uma loja de produtos chineses que se encontrava aberta.
Mesmo à sua frente o Martim parou. Queria uma ventoinha, a sua predileção. Dei-lhe a mão e pedi-lhe que seguisse o caminho, ao que ele reagiu de forma pouco conveniente, começando a fazer birra e atirando-se para o chão, fugindo-me da mão. Desde então o olhar da senhora nunca mais nos deixou. Mesmo seguindo o seu percurso, constantemente olhou para trás com um certo ar de reprovação, perante a situação.
Pousei o Guilherme, que na altura ia ao colo, e comecei as minhas tentativas de acalmar o Martim e o levantar para levar até casa, mas sem nunca a conseguir ignorar.
Sabe, nem sempre é fácil lidar com meninos diagnosticados com perturbações do espectro do autismo. Não é fácil para mim e também não será fácil para ele. É que não é fácil para um menino que foi não-verbal até aos 8 anos, manifestando ainda grande dificuldade em se expressar, gerir a sua frustração de forma convencional, sendo a forma mais comum a birra. Assim como não é fácil para mim ajudá-lo a ultrapassar a situação e a entender o aceitável.
Se há quem pense que é apenas um menino mimado... Quem me dera que fosse só isso! Se há quem pense que é um menino muito mal educado... Infelizmente não o é! É super meigo e delicado. Mas, se quando eles são pequenas tudo pode ser desvalorizado ou considerado até engraçado, a verdade é que, para a generalidade das pessoas, talvez como a senhora, isso já é olhado bem mais de lado quando em questão está uma criança de 10 anos. "Faltaram-lhe umas boas palmadas", pensarão muitos, mas não sou adepta desse tipo de acção, muito menos nesta situação tão atípica.
Perante estas atitudes, felizmente pouco comuns, do meu filho, eu limito-me a manter a calma que lhe quero transmitir, tentantado que se levante e explicando que não se pode comprar tudo o que ser quer, quando se quer. Fazendo-o perceber que o sentimento de frustração também existe e que aquela não é, de todo, a melhor forma de o manifestar. Tentando-o preparar, de todas as formas possíveis, para um futuro muito incerto, que me parte o coração, só de pensar de como será no dia em que não serei a estar cá para o apoiar.
Cumpro certamente o meu papel de mãe, o melhor que sei e posso, mas preferia muito mais desempenhá-lo sem ser o foco de tantos olhares vindos de si.