sábado, 25 de janeiro de 2014

As crianças e o medo de morrer



Na passada segunda-feira, logo pela manhã, o Santiago abordou-me:

- Mãe, tens medo de morrer?
- Não!
- Eu tenho! - respondeu ele.

Confesso que fiquei meio sem rumo, sem saber o que lhe dizer. Mas não o deixei sem resposta e disse-lhe o que achei mais adequado no momento.
A verdade é que, logo depois publiquei a minha inquietude com a questão no facebook e a minha amiga Suzana Pratas, psicóloga, pós-graduada em Psicologia da Saúde, esclareceu-me alguns pontos importantes. Sendo um tema bastante pertinente, de imediato a convidei a escrever um artigo para partilhar com os meus leitores do blog. 
Aqui vos deixo o seu artigo.


"S. de 4 anos pergunta, pela manhã: - Mãe, tens medo de morrer?”
Estas são questões, cujas respostas, “paralisam” muitos pais, que se questionam, sobre qual a resposta certa.

Pois é!!!! Não existe “A” resposta certa.
Existe a resposta adequada, a cada criança, dependendo da sua idade.
As crianças apercebem-se da separação e da morte e questionam-se sobre a sua própria existência. Formulam a sua própria ideia sobre o que é viver e sobre o que é morrer, ainda que tantas vezes não tenham oportunidade de se manifestar, expor as suas dúvidas, e partilhar os seus pensamentos e emoções. E também depende da personalidade da criança. Há as mais extrovertidas, que perguntam tudo. E há aquelas que não fazem todas as perguntas e preferem descobrir sozinhas. Cada criança é um mundo fantástico a ser descoberto, todos os dias.

Não é a morte que verdadeiramente assusta as crianças, é o medo que os adultos têm da própria morte, que as contagia. Ainda que os adultos, passem esse medo, de forma inconsciente. Por isso, quando o seu filho falar sobre o assunto, pense se não falou do assunto com alguém, na presença dele. Ainda que ele lhe parecesse distraído. Quando digo falar no assunto, não me refiro à morte em si, mas sim a: zangas com alguém; castigos em alguém; separações de namorados; divórcios; etc.
O que uma criança mais teme é a separação. É ficar separada de quem ama. E, em casos normais, dos seus progenitores ou cuidadores. Não adianta fingir que a morte não existe. Não adianta tampouco criar essa ilusão nas crianças. Todos nós vamos morrer um dia! Tudo o que nasce, um dia tem um fim, a morte faz parte da vida, é uma realidade incontornável. E as crianças, devem saber disso. Mas cuidado caros pais…depende do desenvolvimento cognitivo de cada criança e tendo em conta as suas idades. (ver Diferentes idades, Diferentes Ideias)

Os pais devem ter em atenção, que a criança no seu processo de desenvolvimento cognitivo, vai tomando conhecimento de determinados ”conceitos” da vida dos adultos, mas de uma forma gradual. Você que é pai/mãe, com certeza, não tem a ideia do que é a morte hoje, que tinha aos 5, aos 10 ou aos 15 anos de idade. Já pensou nisso? Provavelmente nessa idade, pensava que morte era tudo o que acabava. Não necessariamente tudo o que deixava de ver, sem possibilidade de rever. E o mesmo acontece com o seu filho(a). Portanto, vamos entender o desenvolvimento cognitivo das crianças, também de forma gradual.

Para o efeito, deixo-vos as diferentes formas de como a criança assimila a ideia da morte, nos seus diferentes estágios de desenvolvimento:

Diferentes Idades, Diferentes Ideias
Cada criança constrói a sua percepção da morte, que vai evoluindo ao longo da idade. «Uma criança pode encontrar inúmeros exemplos de morte, por exemplo, numa folha caída ou num animal morto, e observar que este não se move nem reage a qualquer estímulo. Isso suscita-lhe curiosidade e ela procura rapidamente uma explicação junto de um adulto ou de outra criança. A partir dessas explicações ou crenças, ela desenvolve as suas próprias ideias. Tanto o que lhe é dito, como o que não se diz (que passa nalguns casos pelo silêncio ou pela fuga à questão), tem uma grande repercussão no imaginário infantil e no seu desenvolvimento», refere Abílio Oliveira, no livro Ilusões na Idade das Emoções (F.C. Gulbenkian, 2008).
Em geral, consideram-se quatro estágios, que se sucedem no tempo, desde o nascimento até à idade da adolescência. Porém, deveremos ter em atenção, que, tal como referi no início do artigo, depende de cada criança e nem todas as crianças passam por todos estes estágios.
Apesar do S. ter 4 anos, é importante que todos os pais com filhos mais novos e/ou mais velhos estejam também inseridos neste tema. Assim sendo, irei abordar desde o estágio de bebé até à adolescência.

Até aos dois anos
A morte tende a ser entendida como a separação de alguém que lhe é querido (em especial a mãe ou o pai) e como perda do conforto que sente. O bebé reage à ausência de uma figura significativa, revelando dificuldade em comer, dormir ou mesmo manter hábitos de higiene já adquiridos.

Entre os três e os cinco anos
A morte é vista como algo temporário e reversível, ou como uma espécie de castigo que pode terminar a qualquer momento; a criança acredita ter pensamentos mágicos e que podem “trazer de volta alguém que morreu” ou, pelo contrário, provocar a morte a alguém; pode sentir-se culpada pelo que aconteceu ou pelo que não consegue fazer, pois as razões do fim da vida (morte) são mágicas e misteriosas. Recusa-se a aceitar a morte como o fim, e é incapaz de imaginar a vida sem o pai ou a mãe, o que por norma faz com que a criança sinta até medo de morrer e não poder voltar a estar com nenhum dos seus progenitores ou cuidadores, que são as suas figuras de protecção, sentindo assim, o pânico da separação e da possibilidade de ficar desprotegido; pode também recear que quem morreu sinta frio ou fome, que esteja zangado ou triste, ou ficar zangado se ele(a) não comparecer na sua festa de aniversário, pois, interiormente, ela continua muito ligada a ele, pois tal como acima referi, a criança não aceita a morte como um fim. O sentimento de “desprotecção” é o maior causador do medo da morte e não a morte no conceito que o adulto conhece.

Entre os seis e os nove anos
A criança começa a perceber que a morte é permanente e comum a todos os seres humanos e animais; mas, mentalmente, acredita que ela e os seus familiares, ao contrário de outros, nunca irão morrer. Nesta idade, a morte é representada como um monstro, um papão, muito também frequente o interesse pelas causas e pelo processo de decomposição decorrente da morte, que aprendem na escola em relação às plantas e animais.

A partir dos dez anos e até à adolescência
A morte passa a ser entendida, como um acto final e irreversível. Ou seja, começa a ser percebida como fazendo parte da vida. As maiores interrogações surgem na adolescência, com questões ligadas a religiões, a rituais de espiritualidade e do sentido da vida.
Por isso, a primeira coisa a fazer, quando o vosso filho(a) vos questionar sobre a morte, é perguntar-lhe o que é a morte. A partir daí, e depois de algumas informações que vos deixei aqui, penso que será mais fácil responder. Espero ter ajudado.

Bem Hajam.

Suzana Pratas
Pós Graduada em Psicologia da Saúde 


Obrigada Suzana!

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